Ex-comandante geral da PM é condenado a pagar dano moral a advogado sindical

Por Assessoria 01/07/2020 - 11:19 hs

O caso começa em 29 de janeiro de 2019, na penitenciária Estadual de Médio Porte de Porto Velho, quando o policial penal V. B. S. recebeu voz de prisão do coronel da PM Fábio Alexandre Santos França, que estava como interventor durante a intervenção da Polícia Militar nos presídios de Porto Velho, o que motivou o ajuizamento de ação indenizatória pelo corpo jurídico do sindicato dos policias penais, o Singeperon,  onde foi reconhecido o abuso de autoridade por parte do coronel com a condenação ao pagamento de indenização ao servidor no valor de R$ 12 mil reais (Proc: 7007179-10.2019.8.22.0001).

À época dos fatos, os representantes jurídicos do sindicato se fizeram presentes na central de polícia e acompanharam os trâmites do registro de ocorrência da voz de prisão dada pelo oficial militar ao policial penal e, da mesma forma, registraram a voz de prisão dada pelo advogado Maurício Filho ao coronel Fábio Alexandre. Fato que repercutiu na imprensa e resultou num novo capítulo do caso: o então comandante Geral da Polícia Militar, coronel Ronaldo Flores, interpôs ação indenizatória contra o advogado, afirmando que houve ofensa à sua imagem – se reportando ao momento, de uma entrevista, em que advogado Maurício reproduziu a fala de Flores:

– Fez merda! – teria dito o então comandante Geral, se referindo ao ato do coronel Alexandre, ao dar a voz de prisão ao policial penal.

Ante a atuação do corpo jurídico do Singeperon, a ação do coronel Ronaldo Flores foi julgada improcedente, tendo ainda a seu desfavor, o pedido de indenização (feito no mesmo processo) julgado procedente, condenando o coronel Flores ao pagamento de indenização de 5 mil reais em favor do advogado Maurício Filho, que ainda foi absolvido no processo criminal nº 0001606-57.2019.8.22.0601, movido pelo coronel Ronaldo Flores.

Segue a sentença na íntegra:

SENTENÇA

Vistos etc.

Relatório dispensado na forma do artigo 38 da Lei 9.099/1995. MAURO RONALDO FLORES CORREA ajuizou a presente ação de indenização por danos morais, no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), em face de MAURICIO M FILHO em que alega ter sido alvo de acusações caluniosas e injuriosas por este em entrevista dada em site de notícias desta Capital. A entrevista teria sido concedida pelo réu, em razão da prisão de um agente penitenciário, cuja defesa era promovida por ele, determinada pelo interventor penitenciário da época, subordinado do autor (comandante geral da Polícia Militar/RO). Nesta ocasião a frase ofensiva teria sido: “INCLUSIVE, O COMANDANTE GERAL DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE RONDONIA, FALOU, AQUI NO CORREDOR E NÓS OUVIMOS, QUE O CEL PM ALEXANDRE, INTERVENTOR, FEZ UMA MERDA NA VERDADE NÉ. MANDAR PRENDER UM CARA POR ILEGALIDADE” (sic). Sustenta que a mensagem passada pelo réu foi superficial, tendenciosa e falsa, o que ofendeu seu bom nome, dignidade, a carreira de Comandante Geral da Polícia Militar de Rondônia e a tranquilidade do autor. O réu, em defesa, alega que jamais agiu com o intuito de caluniar ou injuriar o autor, pelo contrário, aduz ter admirado a atitude dele ao repreender o subordinado que promoveu a prisão ilegal do agente penitenciário na ocasião supramencionada. Além disso, argumenta que agiu com arrimo na Lei 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil), no exercício da profissão de advogado, de modo que seus atos e manifestações são invioláveis, tendo em vista a imunidade profissional a que faz jus, com base no art. 7º, §2º da aludida lei. Por fim, sustenta não ter sido comprovado nenhum excesso de sua parte, tendo apenas esboçado um comentário acerca da prisão de seu cliente. Pugna pela improcedência do pedido inicial. O requerido pleiteia indenização por danos morais, no importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de pedido contraposto. Narra que foi acionado judicialmente pelo requerente na esfera criminal, na qual foi absolvido e que o autor agiu com consciência e vontade de macular a sua imagem, porque emitiu uma nota na página da polícia militar e posteriormente divulgou em diversos outros sites chamando-o de “advogado desgostoso” por não ter tido sua ordem de voz de prisão acatada junto à Central de Polícia. Alega que tal nota gerou grave repercussão com diversos comentários em tais endereços eletrônicos, o que lhe causou humilhação e constrangimento. Consta requerimento da Ordem dos Advogados do Brasil, No ID 31239752, de intervenção para atuar como interessada no presente feito. Pois bem. Inicialmente, indefiro o ingresso da OAB como terceira interessada no feito pelos motivos já expostos na decisão anexa ao ID 33696620 e em razão da vedação legal constante do artigo 10 da Lei nº. 9.099/1995 estabelece que: “Não se admitirá, no processo, qualquer forma de intervenção de terceiro nem de assistência. Admitir-se-á o Litisconsórcio”. O pedido formulado pela OAB é uma espécie de intervenção de terceiro no processo, todavia, apenas o litisconsórcio é admitido em sede de Juizados Especiais, em qualquer de suas formas (necessário ou facultativo, unitário ou simples), sendo vedada a assistência simples e a litisconsorcial ou qualificada, bem como qualquer figura de intervenção de terceiro (oposição, nomeação à autoria, denunciação da lide ou chamamento ao processo). Deste modo, inviável sua atuação no presente feito. Em relação ao pedido inicial, em análise às provas carreadas ao feito, verifica-se a improcedência do pleito. O réu disse o seguinte em relação ao autor, conforme entrevista constante do link anexado ao feito (http://www.rondonoticias.com.br/noticia/policia/20289/video-agente-penitenciario-e-liberado-pela-policia): “INCLUSIVE, O COMANDANTE GERAL DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE RONDONIA, FALOU, AQUI NO CORREDOR E NÓS OUVIMOS, QUE O CEL PM ALEXANDRE, INTERVENTOR, FEZ UMA MERDA NA VERDADE NÉ. MANDAR PRENDER UM CARA POR ILEGALIDADE” (sic). Ora, da mera observação do vídeo apresentado não se constata nenhuma ofensa grave ou abusiva que gere a reponsabilidade civil do réu. Não se tratam de expressões de baixo calão direcionadas ao requerente e nem há a imputação ao autor de nenhum crime. O fato de o requerente ter interpretado que o requerido lhe atribuiu crimes previstos nos artigos 139, 140 e 325 do Código Penal, foi algo totalmente subjetivo de seu entendimento. Aliás, o autor sequer era o foco da entrevista em questão, não havendo a menção do seu nome. O que estava em debate, notoriamente acalorado, era a prisão do agente penitenciário, promovida por interventor do sistema prisional rondoniense. A jurisprudência, em casos semelhantes, vem trilhando o correto caminho de responsabilizar por danos morais aqueles sujeitos que proferem ofensas de gravidade mais elevada, pois reconhece que, no calor de discussões, as pessoas são capazes de lançar expressões que, por si só, não são capazes de gerar indenização, justamente por inexistir uma situação de constrangimento ou vexatória capaz de abalar a imagem ou a honra de quem se diz ofendido. O Juízo do Juizado Especial Criminal, inclusive, reconheceu a atipicidade da conduta do réu, conforme sentença anexa ao ID 31647643, da qual transcrevo o trecho: “Contudo, a conduta descrita na queixa-crime que se traduziu em frase dita em entrevista não se amolda às figuras típicas dos crimes de injúria ou difamação na medida que ausente o elemento subjetivo do tipo. (…). Pelas razões expendidas, julgo improcedente o pedido da queixa-crime de fls. 03/17 e, por conseqüência, absolvo MAURÍCIO MAURÍCIO FILHO, já qualificado, com fulcro no art. 386, III, do CPP. Arquive-se após o trânsito em julgado, com as anotações de praxe. P.R.I.C. (sic).” Além disso, o requerente não comprovou a grave repercussão da entrevista em sua vida particular, da forma como pontuou no pedido inicial, de que afetaria até mesmo sua carreira dentro da Polícia Militar. Não existiram testemunhas aptas a comprovar a humilhação mencionada na exordial, nem prints de comentários desabonadores nas redes sociais ou sites de notícia, tampouco o autor esclareceu de que forma a sua carreira seria afetada pela fala do réu, aparentando certo exagero na narrativa inicial. A testemunha arrolada pelo autor Alexandre Almeida afirmou em juízo que as divergências entre as partes se limitaram ao campo das ideias e que não presenciou nenhuma divergência entre Mauro e Maurício. A testemunha José Carlos da Silva Júnior limitou-se a dizer que o autor não teria desabonado a conduta do interventor dos presídios rondonienses naquela ocasião. Veja-se que nada falaram a respeito de repercussão negativa das falas do réu perante a sociedade ou mesmo dentro da Polícia Militar de Rondônia. O autor não logrou êxito em demonstrar o fato constitutivo de seu direito, consoante dispõe o art. 373, I, do CPC, portanto, a improcedência do pedido é medida que se impõe. É importante pontuar, uma vez que foi amplamente alegado na defesa, que ao presente feito não se aplica a imunidade profissional garantida pelo Estatuto da Advocacia, no art. 7º, §2º da Lei 8.906/1994, tendo em vista que o autor não é envolvido no processo como juiz, membro do Ministério Público, servidor, parte ou advogado da parte adversa do cliente do réu no processo do agente penitenciário, alvo de prisão, no momento em que foi concedida a entrevista. Em relação ao pedido contraposto, em análise às provas carreadas ao feito, verifica-se a procedência em parte. O réu narra que o autor divulgou nota no site da Polícia Militar (http://www.pm.ro.gov.br/index.php/institucional/noticias/7267-nota-a-imprensa-n-006-2019-negada-prisao-de-coronel-pm.html) e depois em diversos sites com o objetivo de humilhá-lo profissionalmente, afirmando que o requerido era um “advogado desgostoso”, em razão de sua ordem de prisão ao coronel interventor não ter sido acatada junto à central de polícia. O autor não negou que tenha emitido a nota em questão, havendo neste ponto confissão ficta, consoante inteligência do art. 341 do CPC. Ressalte-se que não apresentou réplica ao pedido contraposto formulado pelo réu. O réu cumpriu com seu ônus processual e demonstrou ter sido vítima do comentário proferido pelo autor no site em questão, bem como a repercussão negativa de tal comentário por meio dos comentários nas publicações, anexos ao ID 30268681, páginas 14 a 18. Foi também processado criminalmente pelo autor em razão dos fatos já acima narrados. Ao contrário do comentário feito pelo réu em relação ao autor, nesta matéria o requerido era o alvo da notícia desabonadora, além de não se estar diante de discussões acaloradas do momento, eis que proferida dias depois. Os comentários realizados pelo autor são ofensivos à dignidade do réu, maculando sua honra e imagem, especialmente em razão da quantidade de pessoas que comentaram na publicação em seu desfavor, conforme demonstrado. É censurável o comentário pela internet quando o sujeito pretende simplesmente atingir a respeitabilidade do outro, afrontando-o ou atribuindo-lhe atributos de forma leviana, como ocorreu na hipótese do feito. Não se admite que o cidadão se expresse de forma desrespeitosa de forma pública. É certo que a liberdade de expressão deve ser amplamente garantida, mas isso não implica admitir qualquer tipo de manifestação em meios de comunicação. Se de um lado é preciso fomentar a circulação de ideias, assegurando os direitos de informação, crítica e divulgação de pensamento, de outra banda há que se preservar a imagem dos cidadãos, os quais não podem ser objeto de comentários aviltantes. Assim, não se admite o lançamento de impropérios, o uso de palavras depreciativas. São vedados insultos e expressões impróprias, que se prestam apenas a solapar a dignidade dos indivíduos, no caso o réu. A liberdade não é total, deve haver responsabilidade. Cabe às pessoas se manifestar de modo adequado, respeitando os demais. As publicações devem observar as normas jurídicas, limitando-se a expor pensamentos, opiniões e fatos sem vulgaridades, sem desmoralização e sem ofensa. O adjetivo “desgosto” não estaria relacionado a nenhum fato jurídico naquela ocasião, mas sim à conduta particular do advogado/réu o que não é pertinente e gerou comentários negativos de terceiros, que chegaram a insinuar inclusive que o advogado réu seria “bandido”. Presente o dano moral, devem ser observados os parâmetros norteadores do valor da indenização, quais sejam, a capacidade econômica do agente, condições sociais do ofendido, grau de reprovabilidade da conduta, bem como a proporcionalidade, mostrando-se razoável fixar-se, para a hipótese, a indenização em R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Tal quantia não causará enriquecimento ilícito ao réu, e servirá de reprimenda à conduta do réu, para que se atenha mais às publicações que veicula, com o fito de evitar problemas dessa natureza. Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO INICIAL, em contrapartida, JULGO PROCEDENTE EM PARTE O PEDIDO CONTRAPOSTO para CONDENAR O AUTOR A PAGAR AO RÉU a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), corrigida monetariamente a partir do ajuizamento da ação, e acrescido de juros legais, estes a partir da citação. Desta forma, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, dou por extinto o feito com resolução de mérito. Sem custas e sem honorários nesta instância, haja vista tratar-se de decisão proferida em primeiro grau de jurisdição, no âmbito dos Juizados Especiais, na forma dos artigos 54 e 55 da Lei 9.099/1995. Nos moldes do artigo 52, incisos III e IV, da Lei 9.099/1995, a parte devedora/AUTOR fica ciente de pagar, independente de nova intimação, após o trânsito em julgado, o valor da condenação, no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de multa de 10% (dez por cento). O valor da condenação obrigatoriamente deverá ser depositado junto a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL (Provimento 001/2008 PR TJ/RO), com a devida e tempestiva comprovação no processo, sob pena de ser considerando inexistente o pagamento realizado através de outra instituição bancária, nos termos do artigo 4º do Provimento Conjunto n.º 006/2015-PR-CG, incidindo a pena prevista no artigo 523, §1º, do CPC, além de juros e correção monetária previstas em Lei. Havendo pagamento voluntário, desde logo fica autorizada a expedição de alvará, independente de nova conclusão. Decorrido o prazo para pagamento espontâneo, não havendo manifestação da parte autora, arquive-se.

Intimem-se.

Fonte: Assessoria