Documento da Secretaria de Educação de RO manda recolher de escolas 'Macunaíma' e mais 42 livros; secretário diz ser 'rascunho'
Argumento era que os livros apresentavam 'conteúdos inadequados para crianças e adolescentes'; ao G1, secretário afirmou que ofício não chegou a ser expedido. MPF informou que irá abrir procedimento para apurar o caso.
Um documento da Secretaria de Educação de
Rondônia (Seduc) determinou nesta quinta-feira (6) o recolhimento nas escolas
estaduais de 43 livros, entre os quais clássicos como "Memórias Póstumas
de Brás Cubas", de Machado de Assis, "Macunaíma", de Mário de
Andrade, e "Os sertões", de Euclides da Cunha. A ordem não chegou a
ser efetivada, diz o governo.
O memorando 4/2020, assinado pelo secretário de Educação, Suamy Vivecananda Lacerda de Abreu, foi endereçado às coordenadorias regionais de educação de Rondônia. O argumento, no documento, era que os livros apresentavam "conteúdos inadequados às crianças e adolescentes".
Ao G1, o secretário confirmou a
existência do documento – revelou que tratar-se de um "rascunho"
feito por "técnicos" que não chegou a ser expedido. Afirmou ainda não
concordar com o teor do memorando e que os livros listados não serão recolhidos.
O trabalho dos técnicos, segundo o secretário, começou porque havia uma denúncia de que os livros continham palavrões:
"[O departamento técnico] Fez uma checagem que
não é conclusiva, porque a conclusão vai encerrar quando eles [técnicos] me
apresentarem alguma coisa, e, pelo que eu estou vendo, já não querem mais
apresentar. Mas, assim, são clássicos da literatura. ‘Macunaíma’ é filme e o
escambau, entendeu? Não seria a Seduc de Rondônia que iria se invocar com um
livro desse", afirmou.
O ofício lista ainda 19 obras de Rubem Fonseca,
oito de Carlos Heitor Cony e três de Nelson Rodrigues. Há ainda uma observação:
"Todos os livros de Rubem Alves devem ser recolhidos".
Dois clássicos da literatura internacional também
aparecem: Franz Kafka, com "O castelo", e Edgar Allan Poe, com
"Contos de terror, de mistério e de morte".
O documento e a relação de obras (veja abaixo) repercutiram em redes
sociais, com a divulgação de imagens dos ofícios. O documento, que está em
sistema interno da Secretaria de Educação de Rondônia, passou a ser listado
como sigiloso.
O G1 procurou a assessoria do governador Marcos Rocha (PSL), mas não obteve resposta até a última atualização desta reportagem.
Documento da Seduc mostra relação dos 43 livros que seriam recolhidos da rede de ensino em Rondônia. — Foto: Reprodução/Seduc
Ministério
Público Federal
O procurador da
República Raphael Bevilaqua informou na tarde desta quinta-feira (6) que um
procedimento administrativo de investigação deve ser aberto para apurar o
assunto.
Confira nota do governo sobre o recolhimento
dos livros:
Livros
citados em lista são clássicos da literatura e não serão recolhidos, afirma
Seduc
A
Secretaria de Estado da Educação de Rondônia (Seduc) esclarece que recebeu uma
denúncia que nas bibliotecas das escolas estaduais haviam livros paradidáticos
com conteúdos inapropriados para o público alvo, alunos do ensino médio.
Diante disso, a equipe técnica da secretaria analisou as informações e constatou que os livros citados eram clássicos da Literatura Brasileira, muitos deles usados em processos seletivos e vestibulares.
Sendo
assim, o processo eletrônico que contém a análise técnica foi encerrado
imediatamente sem ordem de tramitação para quaisquer órgãos externos,
secretarias ou escolas públicas.
A Seduc reforça o compromisso com a Educação e
reconhece que os livros são obras de autores consagrados a nível mundial e
cumprem um papel importante para uma construção social, prova disso foram os
extraordinários resultados dos alunos da rede pública estadual no último Exame
Nacional do Ensino Médio - ENEM, além de diversas ações e investimentos que
foram feitos recentes para o início do ano letivo.
Serão
tomadas todas as medidas necessárias para investigar o vazamento das
informações internas equivocadamente documentadas.